Na véspera dos 40 anos do 25 de Abril de 1974, a minha crónica desta semana sobre estes 40 anos de democracia no jornal Incentivo:
QUARENTA ANOS DE LIBERDADE E DE MEMÓRIAS
Esta semana completam-se 40 anos da Revolução do 25 de Abril que trouxe o fim da ditadura e permitiu a instalação da democracia em Portugal. As celebrações de 40 anos são, por norma, menos efusivas que as de um quarto ou meio século e as de um centenário, lembro-me dos crachás usados em 2001 para comemorar os 25 anos do 25 de Abril. Até a coincidência dos números era interessante, mas quatro décadas merecem atenção por coincidirem com um “número redondo”.
O 25 de Abril de 1974 foi um normal dia de aulas na então Escola Preparatória Duque de Ávila e Bolama que eu frequentava, mas naquele dia à hora de almoço havia muita gente com rádios no Largo do Infante e alguém me falou de uma revolução em Lisboa. Eu, uma criança de 11 anos quando não se ouviam discussões políticas, não percebi o significado, pensei se tal teria a ver com a guerra do ultramar ter chegado à capital: a guerra era o medo comum a todos os rapazes que teriam de ir à tropa e onde estavam alguns jovens que eu conhecia.
Só à noite em casa, os meus pais que já tinha experimentado a democracia, nesse dia perderam o medo de falar de política ao filho e explicaram-me com alegria que tinha chegado a Liberdade a Portugal tal como no Canadá onde eu nascera, que o País podia agora melhorar e ser como a América: a referência do Açoriano de então para um Estado livre, rico e democrático.
Naqueles primeiros dias o 25 de Abril significava Liberdade, Democracia e o fim da guerra colonial, eram estes os seus ideais. Não havia então pessoas discriminadas como de esquerda ou de direita, eram todas democratas quando não comprometidas com o anterior regime e estas rotuladas de fascistas. Nos primeiros tempos não me lembro de ouvir falar de que os Capitães de Abril terem feito qualquer comunicado a limitar a sua revolução a um qualquer campo ideológico.
Os dias de euforia foram passando e começaram a surgir campos políticos a se arrogarem como os detentores do espírito de Abril. No verão de 1974 a revolução passou também a ser o esforço de alguns implantarem uma ditadura de esquerda e durante um ano a tensão social foi tão elevada que de facto a democracia parecia a finar-se. Quem hoje fala de riscos para a democracia esquece-se que esta já esteve moribunda e o respeito ao voto popular quase a falecer em 25 de novembro de 1975, mas salva na ação de Soares, Eanes e outros. Apesar de tudo, a democracia sobreviveu!
Acabado o risco de nova ditadura, quando se pensou que viria um regime estável e democrático, começou-se logo a falar de crise e do risco da bancarrota de Portugal. Não se usava tanto a palavra austeridade, era “apertar o cinto” e com Mário Soares Primeiro-ministro veio a primeira intervenção do FMI com a desvalorização do escudo, a inflação, a redução do poder de compra, o salário mínimo (equiparado aos preços atuais) passou de 577 a 25 de novembro de 1975 para 419 euros e o desemprego aumentou mais de 100%, para uma então taxa considerada astronómica perto de 7%, mas se havia subsídio de desemprego para alguns: os pobres do salário mínimo e os sem pensões não tinham rendimento mínimo garantido. Apesar de tudo, a democracia sobreviveu!
Nos anos seguintes a economia parecia ir num crescendo, mas nunca deixou de haver descontentes, protestos e greves, umas vezes com razões aceitáveis, outras fruto de interesses de grupos, mas eis que em 1983, curiosamente de novo com Soares, outra crise: nova vinda do FMI, novo apertar do cinto, mais desvalorização da moeda, mais inflação a reduzir o poder de compra e o salário mínimo equiparado desceu para o mínimo da história dos 40 anos de democracia: uns meros 346 euros definidos pelo Governo de então e o desemprego subiu para perto de 8,5% e sem rendimento mínimo garantido para quem caía na miséria. Apesar de tudo, a democracia sobreviveu!
Portugal a seguir entrou na União Europeia, no euro, foi aos poucos destruindo agricultura, pescas e outras indústrias, mas disfarçou isso com obras públicas e crédito, tudo parecia melhorar à sombra do défice e da dívida, mas eis que em 2011 novo risco de bancarrota. Agora é Sócrates quem pede ajuda externa, mas o FMI traz agora dois parceiros e formam a troika, já não há inflação nem desvalorizações, pois já não temos moeda nossa e o euro é controlado por um banco na Alemanha. Vem outro Primeiro-ministro, Passos Coelho, corta nas despesas e facilita o despedimento. O desemprego atinge o recorde de quase 17%, nem todos têm subsídio de desemprego, o salário mínimo desce para 485 euros (em poder de compra cerca de 16% acima de 1977 e 40% mais que em 1984) e há o rendimento social de inserção que garante a sobrevivência de outros desprotegidos, mesmo que em más condições assegura um mínimo dinheiro a todos. Estamos mal, mas já estivemos pior desde o 25 de Abril e mesmo com esta tormenta acredito: apesar de tudo, a democracia sobreviverá!
Viva o 25 de Abril, sempre!
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