Meu artigo de hoje no diário Incentivo
CRISPAÇÃO E DUALIDADE DE TOLERÂNCIA
As últimas semanas têm sido férteis em crispação dura entre pessoas situadas nos campos da extrema-esquerda à esquerda para com as do centro-esquerda à direita, sendo que muitos dos que se posicionam neste dois campos também se têm manifestado através de reações com uma acidez excessiva para com os dois anteriores.
Esta crispação é um mau prenúncio, pois dificulta entendimentos entre as várias forças políticas quando houver questões estratégicas de interesse nacional com alguma componente ideológica ou estratégia partidária. Mas, o que se me afigura de mais grave ainda é o extremismo de alguns contra outros que até sendo do mesmo campo político manifestem preocupações algo discordantes com o frentismo de esquerda que se criou após as legislativas de 4 de outubro passado.
A discordância entre ideias e projetos políticos diferentes é saudável em democracia, pois permite aos cidadãos escolherem alternativas. O confronto e crítica entre fações adversárias alerta para os defeitos de certas opções, melhora propostas e até esclarece o público das vantagens e defeitos de cada escolha. Raramente há uma solução que só tenha benefícios, a norma é fazer-se o balanço dos aspetos positivos e negativos da implementação de cada uma, de curto a longo-prazo, para se ter uma seleção consciente no momento do voto ou da decisão dos governantes.
Infelizmente, a tentação de uma força política de sempre vencer com as suas propostas, os interesses ocultos em jogo, os fanatismos partidários e os orgulhos e egoísmos pessoais, muitas vezes minam o debate que é fundamental na democracia. Quantas vezes já vi quem está no poder não aceitar uma boa proposta da oposição só para que esta não colha algum louro dessa iniciativa?
Quantas vezes observei quem está no poder vir com uma mesma proposta que recusara dos seus adversários algum tempo antes, embrulhada noutras palavras, para não dar o braço a torcer ou açambarcar só para si os benefícios que colheu das ideias da oposição?
Quantas vezes assisti as oposições esgrimirem argumentos contra uma proposta que em grande parte já foi sua só para reduzir os louros do executivo tomar uma medida sem reconhecer o mérito do autor inicial?
Isto acontece desde o nível autárquico: recordo-me de seis anos seguidos o PSD fazer incluir no plano e orçamento da Horta a requalificação do Mercado Municipal sem a Câmara executar a proposta e agora vejo o Edil no poder anunciar sozinho o projeto como se a iniciativa fosse só sua. Passa pelo poder Regional: veja-se como o novo regime de contratação pública nos Açores aprovado na ALRAA esta semana e elogiado pelo Governo Regional foi denunciado que mais não era que uma cópia pior do que já fora proposto por partidos da oposição e recusado pela maioria socialista; e vai até ao poder central, como prova agora o reconhecimento do PàF da possibilidade de aceitar certas medidas sociais da oposição devido às dificuldades de ter ficado em minoria.
Estes esquemas para enfraquecer os adversários partidários e reforçar quem está no poder, mesmo não sendo dignos de louvor, são normais no confronto político. Contudo a atual crispação nacional é demasiado intolerante para quem não está em completa sintonia com a diretriz do frentismo de esquerda instalado é doentia. Assusta-me ver quantas pessoas conotadas ou mesmo do PS, BE, e CDU atacam e rotulam outros socialistas e independentes que não se sentem confortáveis com uma coligação com a extrema-esquerda, qualificando-os com os piores adjetivos e acusando-os de estarem ao serviço da direita. Situação ainda mais extremada na internet. Confesso que tenho assistido a uma maior tolerância em pessoas próximas do PàF para com os seus militantes ou não que não sendo defensores deste frentismo, o aceitam e reconhecem a legalidade da nomeação do derrotado António Costa como Primeiro-ministro.
Já há muito tempo que eu sinto em Portugal uma doentia tendência da esquerda não se limitar a argumentar contra as ideias diferentes das suas, mas também acusar de más pessoas, de interesseiras e outros juízos de valor, os cidadãos que defendam projetos de centro e de direita, substituindo um confronto político por uma divisão entre bons e maus, sendo os de esquerda os únicos virtuosos. Esta intolerância e envenenamento do carácter do outro é um perigo para a saúde da democracia.
Curiosamente, após muitas acusações de que o PSD se desviou dos princípios de Sá Carneiro depois da morte do seu fundador, devido ao desvio progressivo deste para a direita, o que em parte é verdade; agora o PS, ao colocar-se exposto às vontades da CDU para governar, segue a via contrária do que foi a luta e a estratégia do seu fundador Mário Soares. O facto de este estar vivo e de nos ter habituado a intervenções públicas em todos os momentos de crise que Portugal foi atravessando e agora estar em silêncio, leva à suspeita de que sente algum desconforto de que a força política que criou também o esteja a trair. Excluindo uma revolução pelas armas, a crispação intolerante contra os que falam diferente é um dos primeiros meios com que se ataca a democracia. Uma coisa é encher a boca de democracia, outra é pô-la em prática e respeitar os que pensam diferente deste frentismo de radicado na extrema-esquerda.
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