Os objetivos, as dificuldades e os sucessos conseguidos com a polémica reforma autárquica, que conduziu à extinção de mais de um milhar de freguesias e levou a um controlo financeiro apertado dos municípios e implementada pelo ex-Ministro Miguel Relvas e o seu Secretário de Estado Paulo Júlio quando no Governo, corresponde ao essencial do livro: “O outro lado da governação – a reforma da administração local“, escrita pelos autores e defensores da proposta de estruturar o poder e a gestão autárquica.
Os autores começam por expor um extenso historial sobre as origens do poder local na região geográfica de Portugal, com início anterior ao Império Romano e estendendo-o até à atualidade, demonstrando as fortes tradições deste modo de administrar o território e as dificuldades que são reformar algo com raízes tão antigas, um modelo que tem virtudes e defeitos mas todos muito arreigados aos costumes das populações.
Os autores deixam claro que em democracia qualquer reforma racional e profunda do poder local está votada ao fracasso por tantos interesses instalados fáceis de aproveitamentos populistas que levam a que os autores ou recuem ou se “queimem” politicamente e se não fosse a sombra do memorando, o facto de se estar no início do mandato e a coragem deles próprios, o processo não teria avançado de novo, mesmo assim houve cedências: caiu a reforma do sistema eleitoral autárquico devido às causas citadas. Mostram que os obstáculos não vieram só de fora dos partidos do Governo, também houve nestes deslealdades e cobardias
Miguel Relvas e Paulo Júlio defendem as virtudes da sua reforma: a racionalização das despesas e criação de efeitos escala para a sustentabilidade de muitas autarquias, reconhecem que se poderia ter ido mais avante, apontam que além da queda da componente eleitoral, ao nível das autarquias a via a seguir é a da associação municípios em comunidades de interesses comuns.
Não concordo com todas as ideias de Miguel Relvas e Paulo Júlio, apesar de eles assumirem que foi intencional não ir em frente com a extinção de municípios, continuo a pensar que foi uma timidez de confronto que impediu isto, era mais fácil eliminar freguesias, mas talvez seja verdade que tentar mais tivesse morto toda a reforma. Este livro também mostra um homem que tinha muitas capacidades e coragem, que sobreviveu a uma reforma difícil, mas tropeçou num problema fruto duma ambição saloia menor e talvez a polémica em torno da sua licenciatura tenha sido mais prejudicial a Portugal por o País ter perdido para a política um cidadão com mais valor do que o esquema de obtenção de um título académico dúbio pode fazer crer. Recomendo a obra a qualquer pessoa interessada na questão autárquica ou nos esquemas e interesses que minam uma governação pelos bastidores.