Meu artigo de ontem no diário Incentivo:
O CASO IMAR OU DA DESUMANIZAÇÃO DO SETOR PÚBLICO
Foi com amargura que vi amigos e conhecidos, entre outros, a comunicar, no telejornal da RTP-Açores, a receção das primeiras cartas de despedimento como investigadores ou outras funções que desempenhavam na sede do IMAR, nas instalações do DOP da Universidade dos Açores na Horta.
Já não é a primeira vez que assisto a um despedimento coletivo e encapotado de grande dimensão no Faial por meras questões de interesses financeiros alheias aos problemas das gentes que serão afetadas por essas decisões e onde as pessoas são tratadas como peças de uma máquina que se pode descartar sem nenhum peso na consciência dos decisores.
A primeira vez foi há mais de uma década, quando do encerramento da fábrica de conservas de peixe no Pasteleiro, só para transferir a produção desta unidade e concentrá-la noutra instalação fabril no Pico, modernizada com subsídios públicos, sobretudo vindos da Europa, logo depois que se concluiu o tempo para que pudessem fechar a da Horta em virtude das obrigações resultantes dos anteriores subsídios públicos que tinham recebido para modernizar a fábrica no Faial.
Este despedimento foi encapotado, pois permitia que muitas das mulheres pudessem manter o seu trabalho na ilha em frente, indiferentes às possibilidades para apanhar a tempo o cruzeiro, de serem mães com filhos pequenos ou terem outros familiares que lhes impedisse tal mudança de vida. Então, o poder político justificou a sua impotência por ser uma medida de gestão privada, omitiu o facto de que era tomada para sacar ao máximo apoios públicos em desrespeito da salvaguarda social dos trabalhadores, onde estes nada lucravam com o dinheiro injetado e gerido pelo poder político.
Alguns Faialenses protestaram publicamente então, criticaram tal modo de gestão desumana, mas muitos quedaram-se no silêncio, talvez lamentassem no seu íntimo, mas era um problema que não era deles e como tal assistiram tal ataque a gentes desta ilha sem se incomodar.
Agora é uma estratégia de gestão de uma entidade pública que vive, sobretudo, de dinheiro público: a Universidade dos Açores, isto só para maximizar individualmente a gestão de apoios que geria de modo coletivo no IMAR de que era membro. Novamente não importam as pessoas, nem como estas programaram a sua vida, fizeram compromissos financeiros ou se enraizaram no Faial.
Acredito que também haja outra foma encapotada de despedir pessoas ao oferecer-se a uma parte dos investigadores, em paralelo, trabalho no novo Okeanus, em condições que com o tempo vir-se-á a saber, e para outras poderá ser o fim de um emprego que já não era de grande estabilidade, como acontece à maioria dos investigadores científicos em Portugal. Suspeito que de novo haverá alguns Faialenses a protestar e a reagir em público por este modo desumano de atrair fundos públicos e muitos outros a ficar em silêncio, talvez a lamentar-se no seu intimo, mas cientes que o problema não é deles e a ver, sem se incomodar, este ataque a gente que vive nesta ilha.
Há muito que se fala de deslocalizações de fábricas e empresas privadas para maximizar lucros e aproveitar apoios ou incentivos públicos, onde se culpa o neoliberalismo e a globalização que penaliza de forma desumana os trabalhadores sem ter em conta os problemas sociais que provoca.
Infelizmente, isto não é um vício exclusivo de privados culpa do neoliberalismo e da globalização. Não só porque muitos dos incentivos que permitem tal gestão desumana no privado é apoiado com dinheiros públicos de Estados e patrocinados por estes, mas também porque os governantes e altos gestores públicos o praticam cada vez mais com os seus funcionários: umas vezes para satisfazer elites, foi o caso da Rádio Naval; outras para tentar captar votos a gente que se deixe vender com deslocalizações de estruturas existentes sem justificação técnica e que provocam danos sociais a terceiros, é o caso agora do Infarmed; e ainda para se ter mão individual numa maior fatia de fundos públicos que se geria em cooperação, é caso da Universidade dos Açores com o IMAR/Okeanus.
Eis exemplos de vícios em entidade públicas que se diziam típicos de privados gananciosos no capitalismo, mas que se fazem num Estado que mexa à vontade com os seus funcionários, certo da passividade de muitos outros e seguro que os seus tentáculos amedrontam quem se oponha.
Há dias disseram-me que os Faialenses têm medo de falar e protestar contra quem governa pois dependem destes e o poder usa das mesmas armas de pressão que se acusa o privado ganancioso. Algo que desvirtua a democracia e no Faial, com a mágoa e silêncio de muitos, já se vê o esmagar de cada vez mais dos seus residentes pelo poder público, ou seja, aquele que se dizia garantir a defesa das pessoas acima dos vícios dos privados. Hoje eles… amanhã quem será?
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