Meu artigo no diário Incentivo desta semana.
A CATÁSTROFE DE PEDRÓGÃO, OS RISCOS E A PREVENÇÃO
Na passada semana, Portugal chorou as vítimas da maior tragédia em Portugal de uma repetida e anunciada prevista catástrofe face aos conhecidos riscos de incêndios florestais do nosso País.
Os bombeiros deram o seu máximo novamente, mas o barril de pólvora em que o Continente se tornara, como há muito se alertava publicamente poder um dia explodir, rebentou e matou famílias inteiras. Mas se tivessem sido tomadas as medidas preventivas e de gestão da floresta em Portugal dificilmente um raio numa trovoada seca resultaria em tal proporção de perdas de vidas humanas.
Portugal tornou-se num barril de pólvora ao proteger os interesses de alguns ligados à exploração da floresta com espécies altamente inflamáveis e desadequadas ao clima do Continente, mas que rendem dinheiro a senhores influentes. Portugal tornou-se num barril de pólvora por políticas de abandono às condições de vida rural que levaram à desertificação do interior do País, à fuga das faixas etárias mais novas do campo, gente que amava, usava e limpava a floresta tradicional nacional. Portugal tornou-se num barril de pólvora porque a estratégia de desleixar o ordenamento territorial, a definição de zonas de risco e a implementação de medidas preventivas não rendia tantos votos aos políticos, nem dinheiros a certos senhores e por isso optaram pela compra de equipamentos vistosos e caros de combate a fogos que viabilizou o deixa-andar tolerante que serve à ganância dos mais ricos nos grandes negócios. Portugal tornou-se num barril de pólvora porque a política centralista de investir nos maiores centros económicos e populacionais não é um exclusivo dos Açores, é um mal que lavra também pelo Continente.
Há dias um político com funções executivas disse-me com grande alegria que já não havia zonas de risco no Faial. Acredito que ele até estivesse convencido de que teriam havido estudos que concluíram que não existia o perigo subjacente à atribuição da classificação de zona de risco em determinadas áreas. Infelizmente não foi bem isso que aconteceu, houve alguns planos que efetuaram investigações para determinados fatores de risco nos Açores, mas uma parte resultou apenas do mesmo deixa-andar que construiu o barril de pólvora no Continente e fez com que várias condicionantes preventivas dos estudos preliminares de perigo caducassem antes da realização de novas investigações que permitissem as afinações de pormenores a fazer num determinado prazo.
Assim, certos decisores políticos dependentes do voto, em silêncio deixaram a situação caducar e ficaram sem base legal para dizer certos e desagradáveis nãos a algumas pretensões de potenciais eleitores para locais cujo conhecimento do perigo a médio ou longo-prazo recomendava negar.
Infelizmente, o Faial não está menos sujeito a sismos, vulcões, inundações, vendavais, escorregamentos e galgamentos do que estava no tempo do vigor dessas zonas de risco. Só deixou de haver a base legal que obrigava a inviabilizar alguns pedidos e num estado de direito é a Lei que responsabiliza o decisor. Se deixa de haver o impedimento legislativo, então a culpa morre solteira, algo que os Portugueses estão cansados de ver após muitas catástrofes.
A verdade é que muitos cidadãos, por ignorância, interesses de curto-prazo ou mesmo descrédito em determinadas verdades científicas, não aceitam entraves aos seus desejos e preferem votar em quem diz sim às suas impertinências do que em quem com razão e impedimento legal lhes diz não. É verdade que a probabilidade de maior gravidade de danos e a sua frequência é maior dentro de zonas de riscos, mas também os problemas ocorrem fora destas e há gente que fica a apontar os casos que acontecessem no exterior e os anos em que nada ocorreu dentro dum espaço de risco. Lembro-me de um cidadão que conheci que quase todos os anos uma ribeira lhe inundava a casa e pedia apoios financeiros a entidades oficiais para reparar os danos, mas após 1998 ao lhe dizerem que a reconstrução da sua moradia destruída pelo sismo seria noutro local, pois a primeira estava em zona de risco, logo tentou influenciar vários serviços dizendo com todo o desplante que nunca antes a sua habitação fora inundada. A verdade é que aquele senhor votava e na altura bem recordava esse poder que tinha.
Só que naquela data havia um suporte legal para dizer: Não pode ser! A legislação e os regulamentos não o permitem! E, para este exemplo, continuaria a subsistir a interdição, pois já existe uma carta de riscos de inundação para os Açores, mas para outros riscos as condicionantes caducaram. A verdade é que estes buracos na Lei geram simpatias a curto-prazo, mas desses sins simpáticos pode resultar mais mortes e danos no futuro e, quem agradece hoje, pode estar a assinar a sentença de morte sua, dos seus filhos ou netos num futuro mais ou menos longínquo.
Isto é uma política interesseira que joga com a sorte e abusa desta, mas quando o azar bate à porta, os responsáveis logo se escondem nos buracos da Lei que lhes interessou manter e a culpa morre solteira. Pedrógão Grande mostrou que muitos inocentes se tornam vítimas desta estratégia que deveria envergonhar a sociedade, mas que teima em subsistir em Portugal e nos Açores.
Carlos Faria
Sugestões e crítica: cefaria@hotmail.com
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