Meu artigo de hoje no diário “Incentivo”.
Dedução: Se o Faial tem produtos lácteos premiados pela qualidade e sem dificuldade de escoamento, alguém está a lucrar ao impor a descida do preço do leite na ilha à sombra da crise do mercado do leite.
O PREÇO DE LEITE E OUTROS APROVEITAMENTOS
Quando se tornou claro a decisão da União Europeia de acabar com o regime de cotas leiteiras, vi que tal seria prejudicial aos produtores de leite nos Açores. Pois o Governo Regional tem preferencialmente optado pela distribuição oportunista dos fundos comunitários para subsidiar as produções de modo a disfarçar dificuldades de momento em vez de usar tais dinheiros para diferenciar as nossas atividades produtivas e torná-las concorrenciais a outras Regiões em desafios futuros. Ao surgir o boicote da Rússia aos produtos agrícolas europeus, como retaliação às sanções pela sua intervenção na Ucrânia, percebi que a fileira do leite nos Açores iria sofrer mais ainda.
Tenho idade suficiente para já ter percebido que o discurso que o Governo Regional vende sobre a sua capacidade negocial com Bruxelas na defesa dos interesses dos Açores é uma falácia: muita parra e pouca uva! Infelizmente, há décadas que quando se diz: a Região conseguiu salvaguardar os interesses do Arquipélago nas autoridades europeias; deve-se ler: conseguimos subsidiar algo para disfarçar o problema agora. Mais tarde os Açorianos ficam com a corda na garganta e volta-se a procurar outro meio de abafar a questão e arrastá-la sem uma solução consistente e sustentável.
Na verdade, os governantes açorianos perceberam há muito tempo que esconder problemas com subsídios é uma técnica de sobrevivência eleitoral com resultados garantidos para quem está no poder e é muito menos arriscada do que fazer reestruturações do setor produtivo que podem gerar descontentes no momento. Tão boa como prometer projetos ou iniciar obras no último ano do mandato. Muitos engolem o isco e ficam presos ao anzol do governo dos Açores.
Infelizmente nos últimos tempos os preço do leite ao produtor tem vindo sempre a descer e na passada semana outra baixa imposta a quem não tem comprador alternativo. Só que no comércio o leite não custa menos, antes pelo contrário. Sinal que alguém se está a aproveitar da situação e seguramente não é quem o produz, mas alguém sentado nalgum gabinete protegido do frio, do vento, da chuva e do sol, com férias e fim-de-semanas. Algo que escapa à maioria dos agricultores.
Quando saiu a notícia que no Faial tinha havido outra baixa e como esta ilha não exporta leite para venda comercial, deduzi que a unidade industrial estava sem conseguir vender o queijo e a manteiga, mas um agricultor garantiu-me que não havia nenhum problema de escoamento da produção local, só aproveitamento de quem controla o mercado. O que tem lógica, a não ser que os tais prémios ao queijo fossem arranjinhos políticos regionais, pois a garantia de qualidade permitiria sempre a colocação dos produtos em nichos exigentes imunes às baixas de preço do produto comum não premiado.
Farto de imposições do mercado internacional aos Portugueses ando eu e a ser verdade o que ele me disse, neste caso serão outros agentes, vários deles da Região, que estão a “lixar” outros Açorianos que trabalham forte e feio, isto é uma desvalorização do trabalho, algo que se dizia ter acabado no nosso País nos últimos tempos, mas pelo vistos não acabou para quem produz comida nos Açores.
Pior, sabe-se que a principal fábrica de laticínios do Faial tem falta de matéria-prima para laborar, logo, torna-se ilógico que a sua sobrevivência asfixie financeiramente quem lhe fornece leite, e só vejo duas situações para tal acontecer: a gestão desta cooperativa está refém de outros agentes de mercado e já não consegue defender os seus associados, pois não controla os preços que podia praticar com escoamentos garantidos; ou em anos de eleições está ciente que este problema irá ser disfarçado com subsídios aos agricultores ou à instalação e aproveita a baixa de preços para oportunisticamente forçar a saída de fundos públicos que de algum modo tirará proveito.
Conhecendo pessoas envolvidas nesta deliberação na ilha do Faial não consigo acreditar na segunda possibilidade: seria maldade a mais em gente em quem reconheço princípios éticos, mas que tal seja possível por imposição de agentes externos e envolvendo agentes regionais, não excluo. Assim voltamos ao primeiro cenário: há gente oportunista a tirar proveito desta agressão aos produtores de leite e suspeito que mais uma vez se irá disfarçar o problema com subsídios de curto-prazo para a bomba estoirar a sério só depois das eleições.
Uma coisa é certa: o impacte negativo desta baixa ao produtor tem culpados e não estão todos fora dos Açores, embora, à semelhança do caso dos acidentes no setor dos transportes marítimos de passageiros, provavelmente também aqui os maiores responsáveis conseguirão descartar as culpas, serem inocentados politicamente e daqui a uns meses ainda festejar vitórias eleitorais ou lucros à custa da exploração do trabalho de Agricultores Açorianos.
Nos Açores as coisas podem não ser tão favoráveis (http://www.acorianooriental.pt/noticias/view/222239) – à excepção do leite e carne -, mas o discurso miserabilista e tremendista, de destruição das pescas e agricultura após adesão a CEE e Euro, não cola completamente, até porque os termos da adesão foram negociados por políticos portugueses …. No que respeita ao sector do leite no Faial, creio que os agentes externos à ilha se situem em grande medida na adesão à Lactaçores, na altura creio que para gerar efeito de escala e minorar os custos inerentes a pequenas produções. Por outro lado, isso levou à perda de autonomia local para o planeamento estratégico dos produtos locais. Assim, os produtos locais são comercializados à boleia das grandes quantidades e cadeias de abastecimento, o que dificulta a diferenciação. Ainda, o facto de terem escoamento garantido não significa que seja a qualquer preço.
«Contrariamente ao que é corrente ver afirmado, o grau de auto-suficiência agroalimentar nacional não é de, apenas, 30% mas sim de 80% Tomando como objecto de análise o sector agro-florestal nacional verifica-se que o respectivo grau de autosuficiência é de 87%, ou seja, que a dependência em relação ao exterior do consumo de bens produzidos pela agricultura
e pela floresta portuguesas e pelas respectivas indústrias transformadoras é de, apenas, 13%.» em: http://www.gulbenkian.pt/media/files/agenda/eventos12/ConfAliment_AutoSuficiencia_FranciscoAvillez_14Jun2012.pdf
«Portugal apresenta um grau de autossuficiência alimentar de 81%, expresso em valor, para o conjunto dos produtos da agricultura, da pesca e das indústrias alimentar e das bebidas (média 2006-2010), indicador que se manteve estável durante o quinquénio.
Para os produtos agrícolas (inclui vinho e azeite), o grau de autossuficiência situa-se nos 83%», em:https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=151598422&DESTAQUESmodo=2
Infelizmente nos Açores os dados são mais desfavoráveis e é verdade que mesmo a nacional não somos autossuficientes, mas eu ainda sou do tempo que Portugal era autossuficiente, sem défices, mesmo sem saudades desse período por outros motivos.
Mais é verdade que o critério estatístico tem duas vertentes: os portugueses na cobertura silvícola com certeza que não comem cortiça e pasta de papel. Exportamos de facto azeite, vinho e polpa de tomate, mas importamos carne, leite e cereais, mas o vinho felizmente pela qualidade tornou-se concorrencial no exterior devido ao baixo preço relativo, mesmo este cresceu no País, tal como o azeite e daí o crescimento destes setores.
Agora cortar o rendimento da produção não ajuda a aumentar esse setor, vinho, azeite e cortiça valorizaram em termos de rentabilidade por valorização do produto, e a CALF tem é falta de matéria prima e baixa o preço.